Autor: Dr. Marcello Alencar
O corpo humano é uma vasta rede de interações complexas, onde mente e corpo dialogam constantemente. Há muito se discute a conexão entre saúde física e emocional, mas as evidências cada vez mais robustas nos mostram que essa relação é muito mais profunda do que imaginávamos. Traumas emocionais não processados adequadamente podem, ao longo do tempo, se manifestar de diversas formas, dentre elas, na forma de doenças físicas. Essa expressão somática de uma dor emocional reflete um desequilíbrio entre mente e corpo, criando uma base sólida para o desenvolvimento de uma série de condições que, muitas vezes, são erroneamente tratadas apenas no plano físico.
O Trauma e sua Manifestação Física
O trauma é comumente compreendido como uma experiência avassaladora que ultrapassa a capacidade do indivíduo de lidar com o evento. Contudo, a verdadeira definição de trauma vai além do evento em si, concentrando-se nas consequências desse acontecimento. Como apontado por Van der Kolk (2020), o trauma deixa marcas tanto na mente quanto no corpo. Não é apenas uma memória do que aconteceu, mas uma "cicatriz" que permanece no corpo, gerando uma dissonância entre os sistemas mentais e físicos.
Quando um trauma não é adequadamente processado, sua energia "presa" pode se manifestar através de sintomas físicos. Esses sintomas são diversos e podem incluir dores crônicas, doenças autoimunes, distúrbios gastrointestinais, problemas cardiovasculares e até condições dermatológicas. Rothschild (2000) reforça essa ideia ao destacar como o corpo "grava" essas experiências traumáticas, ativando respostas físicas muito tempo depois que o evento traumático original ocorreu.
A Fisiologia do Trauma
A resposta fisiológica ao trauma está fortemente ligada ao sistema nervoso autônomo, que regula as respostas de luta, fuga ou congelamento diante de ameaças percebidas. Quando um trauma é vivenciado, o sistema nervoso pode permanecer em estado de alerta mesmo depois que o perigo passa. Essa hiperativação constante leva a um desgaste do sistema físico, criando condições para o surgimento de doenças. Levine (2012) explica como essa resposta fisiológica ao trauma afeta o corpo de maneira profunda e prolongada, impactando negativamente a saúde física ao longo do tempo.
Outro aspecto importante da manifestação somática do trauma é o impacto no sistema imunológico. Estudos sugerem que o estresse crônico, resultante de traumas não processados, pode enfraquecer o sistema imunológico e predispor o indivíduo a doenças autoimunes. Isso ocorre porque o corpo, em constante estado de alerta, libera uma quantidade elevada de cortisol e outros hormônios do estresse, o que, ao longo do tempo, pode comprometer a capacidade do sistema imunológico de funcionar de maneira eficaz (HELLER, L.; HELLER, A, 2012; LEVINE, 2023).
A Relação Entre Emoções e Doenças Psicossomáticas
Doenças psicossomáticas são aquelas em que fatores emocionais desempenham um papel significativo no desenvolvimento ou agravamento de sintomas físicos. As emoções não processadas adequadamente, como raiva, tristeza ou medo, podem se manifestar de maneiras surpreendentes no corpo. A dor crônica é um exemplo comum dessa conexão. Muitas pessoas que sofrem de fibromialgia, por exemplo, relataram histórias de traumas passados, sugerindo que há uma ligação direta entre experiências emocionais dolorosas e a dor física persistente.
Além disso, condições autoimunes como o lúpus e a artrite reumatoide também têm sido associadas a traumas emocionais passados. O corpo, ao atacar seus próprios tecidos, pode estar "expressando" uma guerra interna não resolvida. Como aponta Heller (2012), traumas que ocorrem em momentos críticos do desenvolvimento podem predispor os indivíduos a uma ampla gama de desafios físicos e emocionais ao longo da vida, especialmente quando essas experiências são suprimidas ou não compreendidas.
A Necessidade de Uma Abordagem Holística
A cura do trauma não pode se dar apenas no nível físico ou emocional; deve englobar uma abordagem integral que reconheça a interconexão entre mente, corpo e espírito. As terapias somáticas, que buscam explorar o trauma através do corpo, têm se mostrado eficazes nesse processo. Terapias como a Microfisioterapia e Terapia CranioSacral ajudam a liberar o trauma retido no corpo, permitindo que o sistema nervoso volte a um estado de equilíbrio.
Além das terapias corporais associadas à psicoterapia desempenha um papel crucial na cura do trauma, ajudando a pessoa a reconhecer e reestruturar padrões de pensamento que perpetuam a dor emocional e, consequentemente, os sintomas físicos. A integração entre essas abordagens permite que o indivíduo acesse tanto a memória corporal quanto a mental, processando o trauma de maneira mais completa.
Práticas de autocuidado, como a meditação mindfulness, o yoga e outras formas de exercício físico, também podem ser poderosas ferramentas para auxiliar na recuperação do trauma. Essas práticas ajudam a trazer a pessoa de volta para o presente, ancorando-a no momento atual e promovendo uma sensação de segurança e bem-estar.
Considerações Finais
A dor física muitas vezes é um espelho da dor emocional não resolvida. Quando compreendemos a profundidade da conexão entre mente e corpo, abrimos a porta para uma forma mais holística de cura. É fundamental que, ao tratarmos doenças físicas, consideremos também o contexto emocional e psicológico do indivíduo. Apenas ao integrar essas dimensões, podemos promover uma cura verdadeira e duradoura.
Ao longo desse processo, a escuta do corpo é essencial. Ele nos fornece sinais importantes sobre o que precisa ser curado, e, ao reconhecermos esses sinais, podemos começar a jornada de transformação. Como ressalta Van der Kolk (2020), "o corpo realmente guarda as marcas do trauma", mas também pode ser o veículo para a cura.
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Referências
HELLER, L.; HELLER, A. Healing Developmental Trauma: How to Acknowledge, Recognize and Treat Trauma in Your Life. Berkeley: North Atlantic Books, 2012.
LEVINE, P. A. Trauma e memória: Cérebro e corpo em busca do passado vivo. São Paulo: Summus Editorial, 2023.
LEVINE, P. A. Uma voz sem palavras: Como o corpo libera o trauma e restaura o bem-estar. São Paulo: Summus Editorial, 2012.
ROTHSCHILD, B. The Body Remembers: The Psychophysiology of Trauma and Trauma Treatment. New York: Norton & Company, 2000.
VAN DER KOLK, B. A. O corpo guarda marcas: Cérebro, mente e corpo na cura do trauma. Rio de Janeiro: Sextante, 2020.
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Dr. Marcello Alencar
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